quarta-feira, 8 de julho de 2015

O que é empregado “comissionista”?




Há alguns contratos de emprego, sobretudo no comércio e na intermediação de venda de produtos ou serviços, em que há o pagamento de comissões. A comissão tem natureza eminentemente remuneratória e caracteriza salário por unidade de obra, uma vez que se destina à contraprestação básica por trabalho entregue.
O comissionamento pode ser puro ou misto. Na primeira situação a comissão será a parcela contraprestativa básica, em substituição ao salário-base por unidade de tempo (que não é pago a tal título embora seja garantido o mínimo legal ou piso da categoria). Na segunda, ao salário fixado por unidade de tempo se soma o valor pago a título de comissão. Regra geral, que pode comportar exceções, o comissionamento é fixado em um percentual sobre a venda de produto ou serviço realizada pelo empregado.
Conforme exposto, a comissão paga pelo empregador integra a remuneração do empregado, e haverá, portanto, sua integração para todos os efeitos contratuais próprios a tal instituto, ou seja, repercussões em FGTS, INSS, férias, 13º salário, repouso semanal remunerado, dentre outras parcelas. Muitos empregadores pagam comissão “por fora”, ou seja, não fazem a correta integração dos valores, o que significa prejuízos ao empregado, que deverá buscar a satisfação de seu crédito na Justiça do Trabalho, sem olvidar os prejuízos à fazenda pública (INSS/IR/FGTS).
Outra questão relacionada aos comissionistas diz respeito à possibilidade de comissionamento puro. Doutrina e jurisprudência são majoritariamente pela possibilidade de tal pactuação remuneratória, ou seja, do pagamento apenas dos valores proporcionais às vendas feitas pelo empregado e consequente desnecessidade de pagamento de salário-base por unidade de tempo. É claro, também, que mesmo em caso de comissionamento puro o empregador complementará o valor do salário mínimo ou piso da categoria caso o empregado não alcance tal valor a título de comissões.
Entendo que ao pagar apenas comissão, sem pagamento de salário-base, resta inobservada a regra constitucional do artigo 7º, inciso IV, que trata do salário mínimo mensal. Ora, o simples fato de ficar o trabalhador à disposição do empregado (CLT, artigo ) durante toda a jornada contratada, deveria ser suficiente ao pagamento da contraprestação mínima mensal (salário), sendo a comissão acrescida a este. Deveria ser relevante o fato de que mesmo quando não faz uma venda, o empregado comissionista atende ao cliente, dá informações sobre o produto, enfim, cumpre ordens do empregador quanto ao modo da prestação laborativa. Infelizmente tal não é o sentido da jurisprudência.
Outro aspecto relevante diz respeito à jornada de trabalho e suas conseqüências legais. Embora não receba necessariamente contraprestação por tempo de trabalho entregue, mas, sim, pela produção alcançada, tem o empregado comissionista, como qualquer empregado celetista, direito à limitação de sua jornada em 08 horas e de sua disponibilidade semanal de trabalho em 44 horas. Mesmo nos casos em que é vontade do empregado trabalhar além dos limites para receber melhor contraprestação (comissão), as regras constitucionais e legais sobre o tema devem ser observadas. Caso trabalhe além dos limites constitucionais receberá o pagamento de horas extras, nos termos da Súmula 340 do TST:
“O empregado, sujeito a controle de horário, remunerado à base de comissões, tem direito ao adicional de, no mínimo, 50% pelo trabalho em horas extras, calculado sobre o valor-hora das comissões recebidas no mês, considerando-se como divisor o número de horas efetivamente trabalhadas.”.
Também obviamente faz jus o comissionista aos intervalos intrajornada, entrejornadas e referente às férias. Importante destacar ainda o repouso semanal e sua remuneração. O valor do repouso semanal remunerado do comissionista é calculado na forma fixada na Lei 605/1949, ou seja, será equivalente ao salário correspondente às tarefas ou peças feitas durante a semana (comissões sobre as vendas da semana), no horário normal de trabalho, dividido pelos dias de serviço efetivamente prestados ao empregador (interpretação do disposto no artigo 7º, alínea c). Assim, além das comissões (e de eventual salário-base), receberá o comissionista, destacadamente em seu contracheque, os valores referentes aos repousos semanais remunerados.
Por fim, polêmica referente ao pagamento das comissões quando o cliente do empregador se torna inadimplente. A Lei 3.207/1957, embora se refira especificamente aos empregados vendedores, viajantes ou pracistas, aplica-se aos comissionistas em geral. Discutida, na prática, é a obrigatoriedade do pagamento das comissões nos casos em que o cliente (regra geral consumidor) deixa de pagar valores devidos para o empregador. A Lei 3.207/1957 estabelece claramente que os valores somente não serão pagos ao empregado nos casos de insolvência do comprador (artigo 7º), sendo devidos, então, nos casos de mera inadimplência

Ora, o empregado “comissionista” já terá implementado a condição básica para o recebimento da contraprestação (comissão), que é a venda. Se o empregador terá ou não dificuldades para receber pelo que vendeu, tal ônus não pode ser transferido ao trabalhador, que receberá integralmente suas comissões, independentemente de inadimplência do consumidor, ressalvada sua insolvência.

domingo, 5 de julho de 2015

No banco das escolas ou no banco dos réus?



Os dados relativos aos atos infracionais praticados no Brasil nos anos de 2011 e 2012 levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) junto à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República comprovam que a tão alarmada criminalidade de menores de 18 anos simplesmente não é – ou não deveria ser – tema dos mais agudos em matéria de segurança pública. 
Os números apontam que foram registrados 1.963 atos infracionais equivalentes ao crime de homicídio em todo o país em 2012. Para efeitos de comparação, no mesmo ano foram registrados 47.094 homicídios no país, segundo o 7º Anuário do FBSP.
Portanto, apenas 4% dos homicídios praticados no Brasil – país que possui uma das maiores taxas de homicídio do mundo – foram cometidos por menores de 18 anos internados no sistema socioeducativo.
A histeria quanto ao tema, portanto, é injustificável. E nesse sentido alguns pontos são importantes de serem colocados em debate.
O primeiro deles é que se há algo que ligue os jovens do país à violência, é o seu papel de vítimas, e não de autores. Com efeito, um fato que merece especial atenção no último Mapa da Violência (2014) é a idade das vítimas.
Observa-se que não há diferenças significativas de vítimas de homicídio entre brancos e negros até os 12 anos de idade. Entretanto, nesse ponto inicia-se um duplo processo: por um lado, um íngreme crescimento do número de vítimas de homicídio, tanto branca quanto negra, que se avolumam significativamente até os 20/21 anos de idade.
Se esse crescimento se observa tanto entre os brancos quanto entre os negros, nesse último caso, o incremento é marcadamente mais elevado: entre os 12 e os 21 anos de idade, as taxas de brancos passam de 1,3 para 37,3 em cada 100 mil; aumenta 29 vezes.
Já as taxas de negros passam, nesse intervalo, de 2,0 para 89,6, aumentando 46 vezes. Os dados elencados, portanto, apontam que a questão a ser encarada do ponto de vista da política pública é a mortalidade de jovens – sobretudo, dos jovens negros –, e não a autoria de crimes graves por jovens.
O segundo ponto é que toda e qualquer proposta de redução da maioridade penal é inconstitucional. Motivos principais:
  • A afirmação da idade penal faz parte dos direitos e garantias constitucionais fundamentais de natureza individual, portanto, irrevogáveis;
  • O Brasil é signatário dos tratados internacionais – a exemplo da Conven- ção sobre os Direitos da Criança da ONU de 1989 – que confirmam os 18 anos como marco de idade penal;
  • A redução da idade penal é imbuída de uma questão constitucional fundamental: ela é cláusula pétrea, sendo parte dos direitos e garantias fundamentais individuais da Constitui- ção Federal de 1988. Não vindo um plebiscito ou uma emenda constitucional a ter força suficiente para sua revogação;
  • A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança – ratificada internamente pelo Decreto 99.710/90 – estabelece que criança (no Brasil, compreendida como as fases de criança e adolescente) é o sujeito que se encontra até os 18 anos de idade. Esse documento internacional alinha-se a outros, como as Regras de Beijing, 1985, e as Diretrizes de Riad, 1990.

A respeito das propostas de aumento do tempo de internação, importa ressaltar que ao cunhar a possibilidade de “desconsideração da menoridade penal” de acordo com as hipóteses a serem criadas pelo legislador ordinário, se reduz, na prática, a maioridade penal.
Nos termos desse tipo de proposta, a redução da maioridade penal, na prática, será mais ou menos extensa de acordo com o talento do legislador ordinário e com a conjuntura política que o animar.
Ambos, portanto, também são inconstitucionais.
O terceiro ponto que merece destaque diz respeito à ideia intensamente propagandeada que associa o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) à impunidade do adolescente. Esta Voltar ao Sumário Voltar ao Sumário 107 (falsa) ideia baseia-se na concepção de que o adolescente seria incitado a cometer um ato infracional porque a atual legislação seria branda quanto a sua punição.
Confunde-se então, inimputabilidade com impunidade, e se esquece que as medidas de internação constituem-se em efetiva restrição de liberdade em estabelecimento próprio destinado a isso. Por fim, importa ressaltar que a preocupação com a criminalidade infanto-juvenil funciona, na realidade, mais como um instrumento de marginalização da população pobre do que uma ampliação e um reconhecimento dos direitos civis dos jovens.
Num país atingido por fortes desigualdades sociais e de direitos, as propostas favoráveis à redução da maioridade penal (ou ao aumento do tempo de internação) são cúmplices deste processo de criminalização da pobreza, jogando para o aparelho carcerário-punitivo os grupos e indivíduos mais vulneráveis psicológica, social, econômica e culturalmente.

Rafael Custódio é advogado e Coordenador do Programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos.


Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública ISSN 1983-7364 ano 8 2014 2014. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2014_20150309.pdf.>

Leia também: Apenas 3% dos delitos cometidos por jovens são graves. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/apenas-3-dos-delitos-cometidos-por-jovens-sao-graves-0bbu2fcyjzavybm5hue0atwem

6 mitos sobre a redução da maioridade penal. Leia e opine. Disponível em: <http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2015/03/23/reduzir-a-marioridade-penal-nao-resolve-ou-voce-acredita-em-mitos/>