Os dados relativos aos atos infracionais praticados no Brasil nos anos de 2011 e 2012 levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) junto à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República comprovam que a tão alarmada criminalidade de menores de 18 anos simplesmente não é – ou não deveria ser – tema dos mais agudos em matéria de segurança pública.
Os
números apontam que foram registrados 1.963 atos infracionais equivalentes ao
crime de homicídio em todo o país em 2012. Para efeitos de comparação, no mesmo
ano foram registrados 47.094 homicídios no país, segundo o 7º Anuário do
FBSP.
Portanto,
apenas 4% dos homicídios praticados no Brasil – país que possui uma das maiores
taxas de homicídio do mundo – foram cometidos por menores de 18 anos internados
no sistema socioeducativo.
A
histeria quanto ao tema, portanto, é injustificável. E nesse sentido alguns
pontos são importantes de serem colocados em debate.
O
primeiro deles é que se há algo que ligue os jovens do país à violência, é o
seu papel de vítimas, e não de autores. Com efeito, um fato que merece especial
atenção no último Mapa da Violência (2014) é a idade das vítimas.
Observa-se
que não há diferenças significativas de vítimas de homicídio entre brancos e
negros até os 12 anos de idade. Entretanto, nesse ponto inicia-se um duplo
processo: por um lado, um íngreme crescimento do número de vítimas de
homicídio, tanto branca quanto negra, que se avolumam significativamente até os
20/21 anos de idade.
Se
esse crescimento se observa tanto entre os brancos quanto entre os negros,
nesse último caso, o incremento é marcadamente mais elevado: entre os 12 e os
21 anos de idade, as taxas de brancos passam de 1,3 para 37,3 em cada 100 mil;
aumenta 29 vezes.
Já
as taxas de negros passam, nesse intervalo, de 2,0 para 89,6, aumentando 46
vezes. Os dados elencados, portanto, apontam que a questão a ser encarada do
ponto de vista da política pública é a mortalidade de jovens – sobretudo, dos
jovens negros –, e não a autoria de crimes graves por jovens.
O
segundo ponto é que toda e qualquer proposta de redução da maioridade penal é
inconstitucional. Motivos principais:
- A afirmação da idade penal faz parte dos direitos e garantias constitucionais fundamentais de natureza individual, portanto, irrevogáveis;
- O Brasil é signatário dos tratados internacionais – a exemplo da Conven- ção sobre os Direitos da Criança da ONU de 1989 – que confirmam os 18 anos como marco de idade penal;
- A redução da idade penal é imbuída de uma questão constitucional fundamental: ela é cláusula pétrea, sendo parte dos direitos e garantias fundamentais individuais da Constitui- ção Federal de 1988. Não vindo um plebiscito ou uma emenda constitucional a ter força suficiente para sua revogação;
- A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança – ratificada internamente pelo Decreto 99.710/90 – estabelece que criança (no Brasil, compreendida como as fases de criança e adolescente) é o sujeito que se encontra até os 18 anos de idade. Esse documento internacional alinha-se a outros, como as Regras de Beijing, 1985, e as Diretrizes de Riad, 1990.
A
respeito das propostas de aumento do tempo de internação, importa ressaltar que
ao cunhar a possibilidade de “desconsideração da menoridade penal” de acordo
com as hipóteses a serem criadas pelo legislador ordinário, se reduz, na
prática, a maioridade penal.
Nos
termos desse tipo de proposta, a redução da maioridade penal, na prática, será
mais ou menos extensa de acordo com o talento do legislador ordinário e com a
conjuntura política que o animar.
Ambos,
portanto, também são inconstitucionais.
O
terceiro ponto que merece destaque diz respeito à ideia intensamente
propagandeada que associa o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) à
impunidade do adolescente. Esta Voltar ao Sumário Voltar ao Sumário 107 (falsa)
ideia baseia-se na concepção de que o adolescente seria incitado a cometer um
ato infracional porque a atual legislação seria branda quanto a sua punição.
Confunde-se
então, inimputabilidade com impunidade, e se esquece que as medidas de
internação constituem-se em efetiva restrição de liberdade em estabelecimento
próprio destinado a isso. Por fim, importa ressaltar que a preocupação com a
criminalidade infanto-juvenil funciona, na realidade, mais como um instrumento
de marginalização da população pobre do que uma ampliação e um reconhecimento
dos direitos civis dos jovens.
Num
país atingido por fortes desigualdades sociais e de direitos, as propostas favoráveis
à redução da maioridade penal (ou ao aumento do tempo de internação) são
cúmplices deste processo de criminalização da pobreza, jogando para o aparelho
carcerário-punitivo os grupos e indivíduos mais vulneráveis psicológica,
social, econômica e culturalmente.
Rafael
Custódio é advogado e Coordenador do Programa de Justiça da Conectas Direitos
Humanos.
Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública ISSN 1983-7364 ano 8
2014 2014. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2014_20150309.pdf.>
6 mitos sobre
a redução da maioridade penal. Leia e opine. Disponível em: <http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2015/03/23/reduzir-a-marioridade-penal-nao-resolve-ou-voce-acredita-em-mitos/>
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