domingo, 5 de julho de 2015

No banco das escolas ou no banco dos réus?



Os dados relativos aos atos infracionais praticados no Brasil nos anos de 2011 e 2012 levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) junto à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República comprovam que a tão alarmada criminalidade de menores de 18 anos simplesmente não é – ou não deveria ser – tema dos mais agudos em matéria de segurança pública. 
Os números apontam que foram registrados 1.963 atos infracionais equivalentes ao crime de homicídio em todo o país em 2012. Para efeitos de comparação, no mesmo ano foram registrados 47.094 homicídios no país, segundo o 7º Anuário do FBSP.
Portanto, apenas 4% dos homicídios praticados no Brasil – país que possui uma das maiores taxas de homicídio do mundo – foram cometidos por menores de 18 anos internados no sistema socioeducativo.
A histeria quanto ao tema, portanto, é injustificável. E nesse sentido alguns pontos são importantes de serem colocados em debate.
O primeiro deles é que se há algo que ligue os jovens do país à violência, é o seu papel de vítimas, e não de autores. Com efeito, um fato que merece especial atenção no último Mapa da Violência (2014) é a idade das vítimas.
Observa-se que não há diferenças significativas de vítimas de homicídio entre brancos e negros até os 12 anos de idade. Entretanto, nesse ponto inicia-se um duplo processo: por um lado, um íngreme crescimento do número de vítimas de homicídio, tanto branca quanto negra, que se avolumam significativamente até os 20/21 anos de idade.
Se esse crescimento se observa tanto entre os brancos quanto entre os negros, nesse último caso, o incremento é marcadamente mais elevado: entre os 12 e os 21 anos de idade, as taxas de brancos passam de 1,3 para 37,3 em cada 100 mil; aumenta 29 vezes.
Já as taxas de negros passam, nesse intervalo, de 2,0 para 89,6, aumentando 46 vezes. Os dados elencados, portanto, apontam que a questão a ser encarada do ponto de vista da política pública é a mortalidade de jovens – sobretudo, dos jovens negros –, e não a autoria de crimes graves por jovens.
O segundo ponto é que toda e qualquer proposta de redução da maioridade penal é inconstitucional. Motivos principais:
  • A afirmação da idade penal faz parte dos direitos e garantias constitucionais fundamentais de natureza individual, portanto, irrevogáveis;
  • O Brasil é signatário dos tratados internacionais – a exemplo da Conven- ção sobre os Direitos da Criança da ONU de 1989 – que confirmam os 18 anos como marco de idade penal;
  • A redução da idade penal é imbuída de uma questão constitucional fundamental: ela é cláusula pétrea, sendo parte dos direitos e garantias fundamentais individuais da Constitui- ção Federal de 1988. Não vindo um plebiscito ou uma emenda constitucional a ter força suficiente para sua revogação;
  • A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança – ratificada internamente pelo Decreto 99.710/90 – estabelece que criança (no Brasil, compreendida como as fases de criança e adolescente) é o sujeito que se encontra até os 18 anos de idade. Esse documento internacional alinha-se a outros, como as Regras de Beijing, 1985, e as Diretrizes de Riad, 1990.

A respeito das propostas de aumento do tempo de internação, importa ressaltar que ao cunhar a possibilidade de “desconsideração da menoridade penal” de acordo com as hipóteses a serem criadas pelo legislador ordinário, se reduz, na prática, a maioridade penal.
Nos termos desse tipo de proposta, a redução da maioridade penal, na prática, será mais ou menos extensa de acordo com o talento do legislador ordinário e com a conjuntura política que o animar.
Ambos, portanto, também são inconstitucionais.
O terceiro ponto que merece destaque diz respeito à ideia intensamente propagandeada que associa o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) à impunidade do adolescente. Esta Voltar ao Sumário Voltar ao Sumário 107 (falsa) ideia baseia-se na concepção de que o adolescente seria incitado a cometer um ato infracional porque a atual legislação seria branda quanto a sua punição.
Confunde-se então, inimputabilidade com impunidade, e se esquece que as medidas de internação constituem-se em efetiva restrição de liberdade em estabelecimento próprio destinado a isso. Por fim, importa ressaltar que a preocupação com a criminalidade infanto-juvenil funciona, na realidade, mais como um instrumento de marginalização da população pobre do que uma ampliação e um reconhecimento dos direitos civis dos jovens.
Num país atingido por fortes desigualdades sociais e de direitos, as propostas favoráveis à redução da maioridade penal (ou ao aumento do tempo de internação) são cúmplices deste processo de criminalização da pobreza, jogando para o aparelho carcerário-punitivo os grupos e indivíduos mais vulneráveis psicológica, social, econômica e culturalmente.

Rafael Custódio é advogado e Coordenador do Programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos.


Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública ISSN 1983-7364 ano 8 2014 2014. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2014_20150309.pdf.>

Leia também: Apenas 3% dos delitos cometidos por jovens são graves. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/apenas-3-dos-delitos-cometidos-por-jovens-sao-graves-0bbu2fcyjzavybm5hue0atwem

6 mitos sobre a redução da maioridade penal. Leia e opine. Disponível em: <http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2015/03/23/reduzir-a-marioridade-penal-nao-resolve-ou-voce-acredita-em-mitos/>

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