terça-feira, 26 de maio de 2015

Assédio Moral



O assédio moral, também conhecido como hostilização no trabalho; assédio psicológico no trabalho; "psicoterror, mobbing, bullying ou harcèlement moral". Não é fenômeno novo, sendo tão antigo quanto o próprio trabalho, podendo ser conceituado como: "uma conduta abusiva (gestos, palavras, comportamentos, atitudes...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, pondo em perigo sua posição de trabalho ou deteriorando o ambiente de trabalho".
Trata-se do já conhecido fenômeno de exposição dos trabalhadores e em geral a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.
O assédio moral decorre de um desvio no exercício do poder nas relações de trabalho, que visa criar ao trabalhador um ambiente hostil, desestabilizando o trabalhador, que hostilizado, com medo do desemprego, o torna dócil e menos reivindicativo. Este tipo de agressão continuada e silenciosa acaba com a saúde física e psíquica de centenas de milhares de trabalhadores no mundo.
A humilhação repetitiva e de longa duração, interfere na vida do assediado de modo direto, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saúde física e mental, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho.
Nesse aspecto, apresentam-se os termos da brilhante exposição da MMª Juíza do Trabalho da 5ª Região, Bahia, Marcia Novaes Guedes, in Mobbing - Violência Psicológica no Trabalho, Revista LTr, Vol. 67, nº 02, Editora LTr, São Paulo, SP, 2003, pp. 162/165:

"Mobbing, assédio moral ou terror psicológico no trabalho são sinônimos destinados a definir a violência pessoal, moral e psicológica, vertical, horizontal ou ascendente no ambiente de trabalho. O termo mobbing foi empregado pela primeira vez pelo etiologista Heinz Lorenz, ao definir o comportamento de certos animais que, circundando ameaçadoramente outro membro do grupo, provocam sua fuga por medo de um ataque.
(...) No mundo do trabalho, o assédio moral ou mobbing pode ser de natureza vertical - a violência parte do chefe ou superior hierárquico; horizontal - a violência é praticada por um ou vários colegas de mesmo nível hierárquico; ou ascendente - a violência é praticada pelo grupo de empregados ou funcionários contra um chefe, gerente ou supervisor hierárquico.
O terror psicológico no trabalho tem origens psicológicas e sociais que ainda hoje não foram suficientemente estudadas. Sabe-se, todavia, que, na raiz dessa violência no trabalho, existe um conflito mal resolvido ou a incapacidade da direção da empresa de administrar o conflito e gerir adequadamente o poder disciplinar. Por isso mesmo não se pode mitigar a responsabilidade dos dirigentes das organizações no exercício do poder diretivo. Tanto a administração rigidamente hierarquizada, dominada pelo medo e pelo silêncio, quanto a administração frouxa, onde reina a total insensibilidade para com os valores éticos, permitem o desenvolvimento de comportamentos psicologicamente doentes, que dão azo à emulação e à criação de bodes expiatórios.
(...) A violência psicológica segue uma dinâmica identificada na qual o sujeito perverso emprega várias modalidades de agressões contra a pessoa.
(...) Como sabiamente já deduziu o leitor, a vítima do assédio moral ou terror psicológico é violentada no conjunto de direitos que compõem a personalidade. São os direitos fundamentais, apreciados sob o ângulo das relações entre os particulares, aviltados, achincalhados, desrespeitados no nível mais profundo. O mais terrível é que essa violência se desenrola sorrateiramente, silenciosamente - a vítima é uma caixa de ressonância das piores agressões e, por não acreditar que tudo aquilo é contra ela, por não saber como reagir diante de tamanha violência, por não encontrar apoio junto aos colegas nem na direção da empresa, por medo de perder o emprego e, finalmente, porque se considera culpada de toda a situação, dificilmente consegue escapar das garras do perverso com equilíbrio emocional e psíquico para enfrentar a situação e se defender do terrorismo ao qual foi condenada. O dano pessoal, conforme a redefinição do dano moral - tese brilhantemente construída por Paulo Eduardo Vieira de Oliveira - é a conseqüência jurídica imediata que deflui da análise do fenômeno sob o ponto de vista da defesa dos direitos e interesses da pessoa humana. 
(...) O assédio moral é uma violência multilateral, tanto pode ser vertical, horizontal ou ascendente (a violência que parte dos subordinados contra um chefe), é continuada e visa excluir a vítima do mundo do trabalho, seja forçando-a a demitir-se, a aposentar-se precocemente, como também a licenciar-se para tratamento de saúde. O efeito dessa espécie de violência na vítima é devastador. 
(...) No mobbing, o agressor pode utilizar-se de gestos obscenos, palavras de baixo calão para agredir a vítima, detratando sua auto-estima e identidade sexual; mas diferentemente do assédio sexual, cujo objetivo é dominar sexualmente a vítima, o assédio moral é uma ação estrategicamente desenvolvida para destruir psicologicamente a vítima e com isso afastá-la do mundo do trabalho. A violência é sutil, recheada de artimanhas voltadas para confundir a vítima. Conforme dissemos, os métodos empregados pelo perverso assemelham-se largamente com aqueles utilizados pelos fascistas para submeter as vítimas e conduzi-las ao cadafalso sem um protesto. Heinz Leymann definiu o mobbing como a pior espécie de estresse social e designou-o de psicoterror.
(...) Mobbing não é uma ação singular, também não é um conflito generalizado. O terror psicológico é uma estratégia, uma ação sistemática, estruturada, repetida e duradoura.
Em 1993, Heinz Leymann - considerado hoje o pai do mobbing - definiu o fenômeno como um conflito cuja ação visa à manipulação da pessoa no sentido não amigável; essa ação pode ser analisada em três grupos de comportamentos: um grupo de ações se desenvolve sobre a comunicação com a pessoa atacada, tendendo a levar a pessoa ao absurdo ou à interrupção da comunicação. Com ele ou ela se grita, se reprova, se critica continuamente o trabalho a sua vida privada, se faz terrorismo no telefone, não lhe é dirigida mais a palavra, se rejeita o contato, se faz de conta que a pessoa não existe, se murmura em sua presença, etc.
Outro grupo e comportamento se assenta sobre a reputação da pessoa. As táticas utilizadas vão das piadinhas mentiras, ofensas, ridicularização de um defeito físico, derrissão pública, por exemplo, de suas opiniões ou idéias, humilhação geral.
Enfim, as ações do terceiro grupo tendem a manipular a dignidade profissional da pessoa, por exemplo, como que para puni-la, não lhe é dado trabalho ou lhe dão trabalho sem sentido, ou humilhante, ou muito perigoso, ou, ainda, são estabelecidas metas de alcance duvidoso, levando a vítima a culpar-se e acreditar-se incapaz para o trabalho." (grifamos)

Se houver mais de um superior incorrendo no infortúnio e se provar que ambas concorreram dolosamente na violação do direito de outrem, todos responderão solidariamente pela reparação, por meio de seus bens, de maneira que ao titular da eventual ação de indenização caberá opção entre acionar um ou todos ao mesmo tempo.
A causação do dano moral independe de prova, ou melhor, comprovada a ofensa moral o direito de indenização desta decorre, sendo dela presumido. Desse modo, significa que o dever de reparar é corolário da verificação do evento danoso, dispensável, ou mesmo incogitável, a prova do prejuízo.
Esclarece-se, portanto, que a afirmação de que o dano moral independe de prova decorre muito mais da natureza imaterial do dano do que das questões fáticas.
O artigo 333 do Código de Processo Civil afirma incumbir ao autor a prova do fato constitutivo do seu direito; ao réu, a prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Nesse sentido, frisa-se que é no campo do direito material que os direitos se constituem, modificam-se, extinguem-se ou sofrem os efeitos de fato impeditivo. Significa isso que o ônus da prova é determinado por regras de direito material, muito mais do que por regras processuais.
Porém, a sistemática adotada pelo nosso ordenamento jurídico prescreve que a prova de dano moral autônomo ou puro, isto é, desvinculado ao dano material, se satisfaz com a mera demonstração da ocorrência do ato ilícito, que originou a ofensa extrapatrimonial.
Segundo Rui Stoco[1], como o dano moral é, em verdade, um “não dano”, não haveria como provar, quantificando, o alcance desse dano, como resuma óbvio. Porque o gravame no plano moral não tem expressão matemática, nem se materializa no mundo físico e, portanto, não se indeniza, mas apenas se compensa, é que não se pode falar em prova de um dano que, a rigor, não existe no plano material.
Na verdade, significa dizer, em resumo, que o dano em si, porque imaterial, não depende de prova ou de aferição do seu quantum. Mas o fato e os reflexos que irradiam, ou seja, a sua potencialidade ofensiva, dependem de comprovação ou pelo menos que esses reflexos decorram da natureza das coisas e levem à presunção segura de que a vitima, face as circunstancias, foi atingida em seu patrimônio subjetivo, seja com relação ao seu exterior, seja ainda, com relação aos seus sentimentos, enfim, naquilo que lhe seja mais caro e importante.
A proposição ventilada recebe a chancela do excelso Superior Tribunal de Justiça, consoante denotam os julgados transcritos abaixo:

Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Omissão inexistente. Danos morais. Súmula nº 07/STJ. Precedentes da Corte. 1. O acórdão recorrido expressamente afirmou que as provas, pericial e documental, trazidas aos autos, respaldam o objeto do pedido inicial, não prosperando a alegação de omissão. 2. O entendimento da Corte consolidou-se no sentido de que "não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se a condenação" (REsp nº 204.786/SP, Terceira Turma, de minha relatoria, DJ de 12/02/01).
3. A alegação do recorrente de que o agravado seria o causador da situação que originou o dano moral colide frontalmente com o posicionamento do acórdão, adotado com base nas provas dos autos, conforme pode verificar-se dos trechos acima transcritos. Incidência da Súmula nº 07/STJ. 4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg nos EDcl no Ag 495.358/RJ, Rel. Ministro  CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 04.09.2003, DJ 28.10.2003 p. 285) grifamos
PROCESSO CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AGRAVO REGIMENTAL-AÇÃO DE INDENIZAÇÃO-DANOS MORAIS-INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO - COMPROVAÇÃO DO DANO MORAL  DESNECESSIDADE - DESPROVIMENTO. 1 - Conforme entendimento firmado nesta Corte, "não há falar em prova de dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam", para gerar o dever de indenizar. Precedentes (REsp nºs 261.028/RJ, 294.561/RJ, 661.960/PB e  702.872/MS). 2 - Agravo Regimental desprovido. (AgRg no Ag 701.915/SP, Rel. Ministro  JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 25.10.2005, DJ 21.11.2005 p. 254) grifamos.
Responsabilidade civil. Danos materiais e morais. Responsabilidade do banco que causou a inscrição do nome da autora no BACEN. Pedido incerto. Art. 21 do Código de Processo Civil. Precedentes da Corte. 1. Pedindo a inicial que o dano moral seja fixado segundo o prudente arbítrio do Magistrado, não viola qualquer dispositivo de lei federal a fixação em quantia certa. 2. Provado o fato, não há necessidade da prova do dano moral, nos termos de persistente jurisprudência da Corte. 3. Se o pedido é de danos materiais e morais, o deferimento, apenas, do dano moral provoca a incidência do art. 21 do Código de Processo Civil. 4. Recurso especial conhecido e provido, em parte. (REsp 261028/RJ, Rel. Ministro  CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 30.05.2001, DJ 20.08.2001 p. 459) grifamos.
A PROVA DO FATO QUE GEROU LESÃO À REPUTAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA É SUFICIENTE PARA A INDENIZAÇÃO DO DANO MORAL. (STJ, RESP. 169030/RJ, J. 22/10/2001, 3ª TURMA, R. ARI PARGENDLER, DJ 04/02/2002, P. 344)
EM SE TRATANDO DE DIREITO À IMAGEM, A OBRIGAÇÃO DA REPARAÇÃO DECORRE DO PRÓPRIO USO INDEVIDO DO DIREITO PERSONALÍSSIMO, NÃO HAVENDO QUE SE COGITAR DE PROVA DA EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO OU DANO. (STJ, RESP. 45305/SP, J. 02/09/1999, 4ª TURMA, R. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ 25/10/1999, P. 83)

Como visto, os prejuízos extrapatrimoniais suportados pela vítima independem de prova material para emergir o direito à reparação moral, bastando a comprovação da prática antijurídica perpetrada pelo ofensor.

[1] Stoco, Rui. Tratado de responsabilidade civil / Rui Stoco. – 6.ed. ver., atual. E ampl. –São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 1691.