terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O “Perfeito Mundo” sem Advogados


Texto adaptado do melhor artigo que li sobre o valor da Advocacia Brasileira, escrito pelo Dr. Thiago Araujo, renomado advogado civilista e um dos destaques do Programa de Coaching para Advogados, o FGA.


Introdução

Advogados costumam receber vários adjetivos. Raramente são bons. A ganância e a advocacia são associadas frequentemente por boa parte das pessoas, ainda que muitas não tenham coragem para dizer isso.
Associa-se o pensamento ao fato de advogado ser remunerado para resolver problemas que, não raro, mexem psicologicamente com as pessoas ou afetam a sociedade como um todo. Talvez no imaginário popular devessem ser anjos celestiais, desprendidos de interesses materiais que o resto das pessoas possuem. As pessoas acham isso ruim, embora se comportem como aquilo que dizem repudiar.
Ironicamente os advogados são condenados pela sociedade por terem aquilo que ela precisa, por não fazem o que a sociedade quer, por não seguirem a premissa de que os direitos devem ter como norte a capacidade, e não a necessidade.
A sociedade ensina desde a tenra idade a associar o dinheiro ao mal. A desassociação do trabalho (causa) e lucro (efeito) é a raiz perversa de todo esse problema.
Os advogados não têm o poder de parar o “motor do mundo”, mas sem eles certamente será destruída uma de suas engrenagens: a liberdade. Ela abrange ou influencia todos os outros direitos.
Alguns dirão que a vida ficará melhor sem os advogados, que a ganância desaparecerá e que haverá outros meios de as pessoas se defenderem ou serem defendidas. O Estado fornece tudo, até defensores. Talvez até defendam que o equilíbrio será finalmente alcançado pois advogados incentivam litígios. Não é mesmo, Poder Judiciário?
Será mesmo?
Para eles, os advogados devem viver da satisfação de ajudar, e não para ganhar dinheiro. Devem se preocupar com o que os outros sentem, mesmo existindo psicólogos e psiquiatras. Devem entender as dificuldades financeiras dos outros, mesmo existindo bancos.
Talvez eles tenham razão. Vamos analisar sob a perspectiva deles.

Advogados, saiam!

Advogados civilistas, desapareçam! Deixem que contratos sejam desrespeitados ou mal executados por causa de aspectos técnicos fora do alcance de leigos. Que dívidas não sejam pagas e os credores cheguem a penúria! Quem sabe não voltem ao fenomenal período onde quem não tinha dinheiro se tornava escravo? Para eles talvez isso sim seja o ato sublime de servir ao outro!
Que famílias se destruam de dentro para fora e com isto gerem seres lastimáveis que tornem cada vez pior esta sociedade, e contribuam ainda mais com a onda de crimes e selvageria! Que crianças geradas em uma noite de balada nunca saibam quem são seus pais e nunca recebam alimentos! Que os que precisem de interdição sejam todos taxados como loucos e largados em hospícios que mais parecem campos de concentração! Que a adoção seja feita não dentro dos parâmetros de melhor interesse a criança, mas sim como quem compra meio quilograma de amendoim ou um cacho de bananas na feira.
Que o direito de propriedade desapareça! Que os invasores sejam o perfil moral padrão da humanidade. Deixem que uns trabalhem para outros colherem sozinhos. Eles não só querem, como merecem isso!
Que herdeiros resolvam suas pendências não através do devido processo legal, mas fazendo uso de facas e armas de fogo! Afinal, é o direito é deles, e nada pode os impedir!
Advogados consumeristas, não sejam inoportunos! Não percebem que uma relação social saudável se baseia na liberdade para fazer tudo como quiser? Deixem as empresas destruírem a honra das pessoas inserindo seus nomes em cadastros restritivos de crédito! Deixem que as empresas vendam produtos e serviços sem fornecê-los! E daí se as pessoas estão sem água e luz, mesmo pagando? Que façam “gatos”! Isso é moralmente belo!
Deixem as pessoas pagarem além do que realmente vale o produto ou serviço! Se não quiserem, que não comprem! Que produtos com defeito sejam vendidos em larga escala, produzidos de qualquer maneira, e no fim, o consumidor prove o defeito e não encontre responsáveis. Nem o fabricante nem o vendedor, nem ninguém.
Que produtos faltem em estoques e fique por isso mesmo. Ah, bons tempos da SUNAB! Bons tempos em que o Código de Defesa do Consumidor não existia, essa praga, fruto da ganância!
Deixem empresas serem enganadas com fraudes em relações de consumo para que espertalhões sejam indenizados! Elas preferem pagar pouco e não se precaver! Deixem que consumidores comprem e não paguem! Por que incentivar a ganância? Afinal, tudo não é de todos? Não entrem nessa onda de prevenção! Isso é coisa de gente que não tem valores morais elevados!
Consumeristas, vocês atrapalham!
Advogados trabalhistas, sumam deste mundo onde são completamente desnecessários! Deixem as pessoas trabalharem feito animais. Talvez elas prefiram o açoite a advertências e suspensões! Que ambientes de trabalho sejam mais descontraídos e apelidos referentes a cor, altura, gênero e orientação sexuais, religião e atributos físicos sejam livres! Vocês não têm senso de humor!
Não se intrometam nas horas trabalhadas a mais sem remuneração. Eles querem servir uns aos outros. Ganhar pelo trabalho é egoísmo. Esqueceram o motivo pelo qual devemos sumir? Que importa se eles recebem valores a menor em seus salários? Muito dinheiro implica em ganância! E isso é mau, muito mau!
Empresas gostam de condenações de vez em quando! Não interfiram no ato de caridade que é se permitir ser condenado judicialmente a dar dinheiro a um empregado que mente ou cria histórias sabendo da realidade desorganizada da empresa! Para eles, fraudes nada mais são que uma forma de equilibrar desigualdades históricas!
Advogados criminalistas, não fossem vocês, teríamos ruas com bem menos criminosos! Por que insistir em defender pessoas que podem ou não terem cometido delitos? Quem se importa? Se a polícia acha que é, então é. E se não for, é melhor pecar pelo excesso que pela falta! Para eles, é melhor um inocente preso a um culpado solto. Nunca o contrário! E se provarem que foi um erro? Ah, não se pode ganhar todas!
Deixe um réu se defender sozinho diante da figura benevolente e compreensiva do Estado. Inocente ou culpado, a prisão sempre é boa, pois é um ato de penitência que transforma maus em bons, e bons em anjos de luz!
Aos advogados constitucionalistas só há necessidade de dizer que o Estado se justifica em si mesmo. Portanto, fiscalizar e exigir cumprimento é como exigir a um motorista que dirija. Eles sempre sabem o que fazem. Não duvidem!
Advogados tributaristas, por favor, entendam que nada há de errado em deixar o Estado tomar um pouco mais de dinheiro de pessoas físicas ou jurídicas. Pode ser só um erro de cálculo. Se não for, justifica-se pelo bem maior que é o interesse público! Uns zeros a mais a direita não podem ser motivo de litígios desnecessários. Dizer que atua contra distorções tributárias que ajudam a desonerar de forma a incentivar o consumo e a geração de empregos ou outros projetos relevantes é conversa de advogado querendo ganhar dinheiro à custa dos outros! A quem vocês querem enganar?
Advogados administrativistas, ninguém se importa se o Estado quiser tomar sua propriedade e pagar, se e quando quiser. A propriedade privada é o mal a ser extirpado! Deixem o Estado contratar sem licitação, ou fazendo dentro do emaranhado de regras confusas criadas com o propósito de incentivar empresas que precisam de ajuda!
Não lutem na Justiça para que direitos como a internação em rede pública hospitalar ou concessão de medicamentos sejam feitas! Morrer é um ato de amor a humanidade, afinal, o mundo está cheio de gente! Regras de concursos públicos são mutáveis em nome do interesse público, o que autoriza a violação, pois sempre é para o bem!
Querem ser livres em seus contratos, e não deixam o Estado ser só porque o dinheiro na verdade pertence a todos? Mas que petulância! Não tem vaga na escola pública? Vá para uma particular! Não pode pagar? E daí? Estudar é luxo!
E os servidores públicos? Por que defendê-los quando um ou outro direito é violado? Já possuem o privilégio de viver dentro da casa chamada Estado, não na senzala. Reclamam de barriga cheia!
Parem de dar voz aos que gostam de fiscalizar o Estado com ações populares! O Estado para elas é Deus! Elas querem comer as migalhas que caem da mesa de seus nobilíssimos dirigentes!
Chega de intromissão!
Advogados empresariais, as empresas se organizam por elas mesmas. Não precisam de vocês! Ainda mais em um país como este, que não tem sistemas normativos confusos, contraditórios e ambíguos! Isso é querer dinheiro fácil! Deixem falências ocorrerem a torto e direito! E nada de processo! Credores devem ser legitimamente saqueadores, e violência será justificada nesse modelo social tão exemplar!
Aos advogados previdenciaristas resta a última reprimenda por serem os gananciosos que roubam pobres trabalhadores que não conseguem se aposentar porque o Estado não pode pagar para que esses “deitões” fiquem em casa descansando após míseras décadas de trabalho. Mas, se por um acaso o gentil Estado entender que eles devem se aposentar porque vocês assim conseguiram, não queiram ser remunerados por isso! Todos podem, mas não os advogados!
Parem de colocar na cabeça das pessoas que elas possuem direito a descansar após tanto trabalho! E também de se dispor a resolver isso! Tal como o homem que oferece carona a uma mulher por interesses pérfidos, vocês, oferecendo serviços a essa gente estão querendo se aproveitar, não ajudar. Portanto, remunerá-los é presentear o egoísmo, a ganância e a falta de sentimentos morais mais elevados! Largue-os à morte em vida! Deixem que fiquem à míngua! É isso que eles querem! Uma vida de provações, rumo ao céu!
Vejam só quantos danos os advogados ajudam a causar em uma sociedade. 

O Estado Sempre é Bom. Não Reclamem!

E daí que não tem Defensoria Pública? E daí se, quando tem, nunca dá conta de tudo? E daí se o Ministério Público não cobra? E daí se o Judiciário existe para julgar, mas reclama do excesso de demandas, tal como o cobrador do ônibus que reclama pelo fato de seu dinheiro não estar trocado?
É imoral querer que o Estado crie mecanismos para fiscalizar a ele mesmo e ajudar os cidadãos a se defender dele mesmo, sendo julgado por ele mesmo! Não percebem isso? Vejam o alvoroço que causaram!

Conclusão

A sociedade tem o direito a autodestruição. Sem os advogados será concedido  esse desejo, pois eles fomentariam a luta pelos direitos. 

A sociedade só precisa de três leis: a da selva, da de Talião (olho por olho, dente por dente) e a do mais forte. As derivações também são válidas. E é justamente isso que aparentemente o publico anseia e infelizmente caminha.
A permanência do advogado só serve para quebrar essa lógica. Mas alguns já disseram que não os querem. 
Sim, o Estado pode fazer o papel dos advogados! E certamente fará isso! Mas não atingirá seu fim. Nenhum Estado pode ser bom sem controle fora dele. Relações sociais que se desequilibram, uma vez assim, dificilmente voltarão a ser plenamente equilibradas sem a presença dos advogados. Será um colapso. Mas quem se importa com isso? Por que enxergar as coisas sempre de forma pessimista? Por que temer pelo que pode dar errado? 



Texto completo: http://thiagoaraujoadvocacia.jusbrasil.com.br/artigos

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